domingo, 6 de fevereiro de 2011

O Artista

"Matias Monteiro (Brasília - 1980) fez sua primeira exposição individual em 1984 em um pequeno apartamento na rua Saint Marc, Montreal, Canadá. Seus pais emolduraram seus desenhos e os expuseram na sala de estar, mas, afoitos, terminaram pendurando-os de cabeça para baixo. Matias pendura seus próprios desenhos desde então. Hoje, é mestre em Poéticas Contemporâneas (2008) e Bacharel em Artes Plásticas (2004) pelo Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Atualmente é graduando em Museologia pela UnB." (o menino dorme)


Matias Monteiro é um artista de muitas idéias, alguém que sabe se expressar de maneira singular. Suas idéias nos fazem refletir sobre a vida, o mundo, os sentimentos, assim como suas obras que são intensas, vivas e belas em sentidos imaginários e reais. 

Seja Bem Vindo ao Mundo Matias Monteiro.

Nome
Matias Monteiro

Quantos anos?
30 anos

Há quanto tempo se considera artista?
Eu me considero artista desde que expus pela primeira vez. Nesse caso, me tornei artista em duas ocasiões: a primeira, como dito no blog, quando eu era criança, por volta de 1984, e a segunda em outubro de 2003, quando, pela primeira vez, eu participei de todas as etapas de uma exposição.
Ou seja eu tenho de 7 a 27 anos de carreira.

O que acha da arte contemporânea brasileira?
Acho uma das melhores do mundo em termos de versatilidade, variedade de linguagens e qualidade de propostas. Uma pena que ela é ainda pouco conhecida pelas pessoas que não são do meio, mas isso aos poucos tem melhorado.

Cite alguns artistas que gosta de verdade e que possam ter influência sobre o seu trabalho.
Bas Jan Ader (meu maior ídolo)
Félix Gonzalez-Torres
Ana Miguel
Michel Gondry
Yuri norstein
Gê Orthof
Luciana Paiva
Allan de Lana
Olafur Eliasson
Cy Twombly
Michelângelo Antonioni
Edward Hopper
Jean Cocteau
Damien Hirst
Yoko Ono
Dario Robleto
Kasimir Malevich
Ben Vautier
A lista não tem fim... Ainda esqueci vários. Eu os amo.

Por que acha que as pessoas não gostam da arte contemporânea ou não a compreendem?
Complexo...
Porque não gostam:
Porque não a conhecem; Em minha experiência as pessoas que se permitem conhecer melhor a arte contemporânea acabam se deslumbrando porque é um universo imenso, e sempre haverá uma proposta que os toca, que gera reflexão e que transforma o seu olhar. O problema é que vivemos em um momento em que as pessoas não se permitem.  Eu acho que, nesse sentido, a arte tem um potencial radical de despertar uma dimensão afetiva do nosso olhar. Um professor uma vez me disse que o problema das pessoas é que elas esperam dos outros exatamente o que eles não tem para oferecer, ao invés de estarem abertas ao que os outros tem a nos oferecer. No caso da relação de grande parte das pessoas com a arte, eu acho que a questão é essa: elas aplicam sua própria expectativa do que é legitimo como “arte” (formada pelo senso comum ou por padrões estéticos anacrônicos) e se frustram quando se esbarram com outro tipo de produção. São expectadores e não espectadores. Mas é preciso ter em mente que a arte contemporânea não é um movimento estilístico ou uma escola, mas um momento histórico. Nele você encontrará tanto pintores hiper-realistas, como a body art. Nesse sentido, “não gostar de arte contemporânea” é apenas uma forma de dizer não conhecer o suficiente.

Porque não compreendem:
Mas o que é “compreender” arte afinal? Lembrei-me de um trecho do Francis Ponge que eu reproduzi aqui. Ele narra uma passagem de Socrates, que, encantado com as poesias de sua época, busca investigar seu significado:
Dirigi-me aos poetas’, diz Sócrates, ‘tomei as poesias que me pareciam as mais trabalhadas: perguntei-lhes o que quiseram dizer, pois desejava instruir-me com sua entrevista. Envergonho-me, Atenienses, de dizer-lhes a verdade; no entanto, é preciso dizê-la. Dentre todos os presentes, quase nenhum havia que não fosse capaz de dar conta dessas poesias melhor do que aqueles que as haviam feito. Reconheci então, de pronto, que não é a razão que dirige o poeta, mas uma disposição natural, um entusiasmo semelhante àquele que transporta os adivinhos e os que predizem o futuro; todos dizem coisas muito bonitas, mas não compreendem nada do que dizem. (...).
... Por fim, dirigi-me aos artistas. Tinha consciência de que não entendia, por assim dizer, nada de artes, e sabia que encontraria nos artistas uma infinidade de belos conhecimentos. Nisso não estava enganado, pois sabiam coisas que eu não sabia, e sob esse aspecto eram mais hábeis do que eu. Mas, Atenienses, os grandes artistas me parecem ter o mesmo defeito dos poetas (...)’

Que mais esse procedimento ressalta senão (desculpem) uma certa tolice de Sócrates? Que idéia perguntar a um poeta o que ele quis dizer. Não fica evidente que se ele é o único a não poder explicá-lo, é porque não poderia dizê-lo de outro modo (senão com certeza, o teria feito)? 

Posso dizer que todos que se dedicam a compreender uma obra são bem sucedidos e se frustram. São bem sucedidos, porque serão capazes de gerar um discurso sobre aquilo, por mais rudimentar que seja; se frustram porque a obra gera sentido sem parar; e nenhuma versão, nem a do artista, encerra essa produção.


O que te leva a frequentar exposições?
A curiosidade; talvez o amor. Ás vezes pura falta de bom senso.

De onde tira sua inspiração?
Não sei ao certo. Certamente de minha vida e experiências, mas acho que isso é mais uma limitação de vocabulário do que uma vocação da obra.  Se eu pudesse experimentar o mundo com outros olhos, eu sem dúvida o faria. Como não posso, resta-me resignar e tentar assimilar um pouco do que vivo.  Mas acho que, mais do que uma expressão do indivíduo, a obra é um exercício de linguagem, e como tal, é um sintoma social.  Por isso a obra faz laço, porque, como dizia Bachelard, nós intuímos secretamente quando amamos uma obra que ela nos diz respeito, que nós poderíamos tê-la produzido. E Umberto Eco nos lembra, cada apreciação é uma criação.
Mas a verdade é que as idéias aparecem quando menos as esperamos, mas a idéia é só um começo. Aí começa a negociação com a “realidade”. Toda obra é fruto de uma negociação intensa, que chamamos processo artístico.

O que cada obra significa para você? Desde do momento de criação, finalização e do agora.

Eu trabalho muito com o tridimensional, porque gosto de, secretamente, me admirar com a concretização das coisas; com o fato de que as idéias podem adiquirir uma substância, mesmo que por meio de artifícios, de um trompe l’óeil fortuito ...  Alguns trabalhos nos parecem bobos com o tempo, outros se tornam mais relevantes... mas eu gosto de todos, considero todos importantes.  O artista lida com coisas importantes e sérias (ao menos assim lhe parece). 

O que é ser artista contemporâneo no Brasil?
É “da adversidade viver”.  É remar contra a maré. É dar importância extrema a coisas que ninguém parece dar valor. Mas, secretamente, é ser um pouco mais feliz.

Você escuta música quando está no processo de criação?
Muitas vezes! Tenho muitos trabalhos que eu realizei ouvindo o David Fenech, Scott Matthew... estou trabalhando em uma série de desenhos e ouço incessantemente Grizzly Bear e Golden the Poney Boy do Science of Sleep.  Ninguém nunca me perguntou isso, mas música é muito importante para mim durante a produção. E eu tenho a tendência de deixar uma mesma música repetir-se infinitas vezes... acho que é quase um mantra. Adoro montar set lists para aberturas de exposições. =)

O que acha da venda de suas obras?
Já vendi algumas coisas, mas esse não é meu objetivo final. Fico feliz em saber que minhas obras estão na casa de pessoas que as amam e que cuidarão delas com carinho. Sempre uso meus amigos de medidas para dar valor a uma obra: se um amigo meu pudesse hipoteticamente comprá-la, então o preço está bom. Qualquer coisas acima disso já me parece uma extravagância. Como não pretendo viver da venda de obras, posso me dar ao luxo de vendê-las a preços acessíveis. Já vendi obras por 15, 30 reais e já vendi por 300, 600. Não tenho nada contra a venda de arte, mas não produzo com o intuito ou ilusão de vender, até porque muitas de minhas obras não seriam facilmente comercializáveis.

Você tenta produzir obras que possam ser entendidas por todos os públicos?
Não. Porque eu não compreendo a obra como um mero processo comunicativo de transmissão e assimilação de conhecimento.  Eu acredito que todos podem usufruir da obra em seu próprio processo e rítmos, com suas próprias referências.  Todos podem produzir uma leitura da obra. A única diferença é que quanto mais se convive com arte, quanto mais conhecemos seus processos históricos, mais fluente será o discurso que produziremos sobre uma obra.

Você tem algum público alvo em mente?
Vou tomar a liberdade de anexar aqui um trecho da minha dissertação:

Walter Benjamin nos alerta quanto à ilegitimidade de recorrermos ao apreciador como forma de obter conhecimento sobre determinada obra.

Em parte alguma, o fato de se levar em consideração o receptor de uma obra de arte ou de uma forma artística revela-se fecundo para o seu conhecimento. Não apenas o fato de se estabelecer uma relação com determinado público ou seus representantes constitui um desvio; o próprio conceito de receptor ‘ideal’ é nefasto em qualquer indagação de caráter estético, pois deve pressupor unicamente a existência e a natureza do homem em geral. Da mesma forma, também a arte pressupõe a natureza corporal e espiritual do homem; mas, em nenhuma de suas obras pressupõe sua atenção. Pois nenhum poema dirige-se ao leitor, nenhum quadro, ao espectador, nenhuma sinfonia aos ouvintes. [1] (grifo nosso)

            Essa célebre abertura de A Tarefa-Renúncia do Tradutor gera ainda diversas e controversas leituras. A supressão do apreciador como meio legítimo para a obtenção de conhecimento acerca de uma obra pode parecer excluir, ou de certa forma minimizar, a atuação deste na própria constituição da obra como fenômeno poético. No entanto, devemos considerar o contexto dessa fala; mais à frente (e certamente, esse será o argumento central do texto), Benjamin defenderá a tradução como uma forma de dar continuidade à obra, mantê-la viva e responder a uma certa demanda; seu devir-traduzível. A vida da obra, segundo o autor, existe enquanto ela constitui e é atravessada por uma história[2]. A tradução ampliaria as condições dessa vida, porquanto insere a obra em uma gama cada vez maior de possibilidades de apreensão por temporalidades, culturas e grupos distintos; ampliando, assim, as possibilidades de inscrever-se sua história. É, portanto, essencial que á obra não se dirija a alguém, mas que antecipe alteridades, que prepare gozos poéticos[3], que esteja aberta (no sentido aferido por Umberto Eco), solícita; que oferte-se não a um outro, mas ao Outro. O encontro com a obra seria, portanto, sempre fortuito. Frente a esta instigante passagem, a pesquisadora Lúcia Castello Branco, em seu ensaio Um passo de letra [4], recorre a Roland Barthes:

Saber que não se escreve para o outro, saber que as coisas que vou escrever não me farão nunca amado por aquele que amo, saber que a escritura não compensa nada, não sublima nada, que ela está precisamente aí onde você não está - é o começo da escritura.[5]

            A obra atualiza essa impossibilidade (“Não se escreve para o outro”). Ela atualiza essa impessoalidade, ocupa precisamente este espaço onde você não está. Sobre o apreciador, podemos assegurar: “ele não é eu ou você”[6]. O apreciador, proporá Barthes, é sempre essa “ficção de um indivíduo”[7].


[1]  BENJAMIN, Walter: 2001. p. 189.
[2] A idéia de vida e da continuação da vida das obras de arte deve ser entendida em sentido inteiramente objetivo, não metafórico. (...) É somente quando se reconhece vida a tudo aquilo que possui história e que não apenas constitui um cenário para ela, que o conceito de vida encontra sua legitimação. Ibidem. p. 193.
[3] BACHELAR: 2003. p. 6.
[4] CASTELLO BRANCO, Lucia: 2004.
[5] BARTHES. Apud: Idem. Aludimos aqui a Marguerite Dumas: ”Escrever./Não posso./Ninguém pode./É preciso dizer: não se pode. /E se escreve” [DURAS, Marguerite: 1994. p. 19].  Jean-Bertrand Pontalis, por sua vez, proporá: “Talvez só se escreva á partir de uma afasia secreta, para superá-la tanto quanto para manifestá-la” [PONTALIS, J.B: 1991. p. 127].
[6] O’DOHERTY:Op. cit. p. 37.
[7] BARTHES: 2002. pp. 7- 8.




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