domingo, 6 de fevereiro de 2011

As Obras - criação

Você precisa se permitir criar, viver e deixar fruir. Essa é uma das minhas opiniões sobre a arte e sobre exposições. É preciso entrega e análise crítica, portanto Matias Monteiro nesse espaço fala sobre o processo de criação de suas obras, mas não se engane e não se limite...tenha suas próprias interpretações.

"Um céu que lhe convém"
Instalação
2008

Um dia eu estava andando para casa, flaneur como sempre, e ao erguer meus olhos eu vi um céu cinza, fechado. Contra essa massa, brilhavam frágeis as luzes domésticas dos apartamentos, cada uma de uma cor. Essa imagem me pareceu tão bela, tão alegre e ao mesmo tempo tão trágica. Me senti solitário, porque ninguém a minha volta parecia ver o mesmo que eu. E eu pensei  “bom... cada um tem o céu que lhe convém”.  O título surgiu. Depois eu estava lendo um texto do Manguel que dizia da capacidade da criança de criar universos inteiros com os menores recursos. Pensei nessa idéia absolutamente clichê das nuvens de algodão, de enchimento.  Quando eu estava trabalhando na idéia eu vi o filme Science of sleep, que tem essa mesma estratégia. Isso poderia ser o suficiente para me desanimar, mas me fez misteriosamente persistir. Quando tive a possibilidade de montar o trabalho, eu adorei. Me sentia um deus da mitologia grega, costurando nuvens e prendendo-as  na abóboda celeste. O efeito ficou ótimo.  Deixei uma nuvem mais baixa e com as agulhas simulei gotas de água.  Duas lâmpadas de mesa fizeram a iluminação (porque eu queria explorar essas estratégias pueris e me apropriar livremente de qualquer material doméstico que me desce o efeito desejado). Tive uma resposta positiva, e os seguranças do museu botaram, por conta própria um puff no local, para que as pessoas pudessem apreciar melhor aquele céuzinho.


"outono das verdades"
 Instalação
2007 (Museu do complexo da república)

Outono das verdades foi bem parecido. A motivação era essa de simular fenômenos naturais com materiais domésticos triviais. Eu sempre caminhei muito pela 409 norte, e, em uma época do anos as folhas caem e cobrem parte do caminho. É uma visão linda.  Sempre fiquei curioso como as folhas tendem a desenhar um círculo em torno da árvore. Quando fui convidado a participar de uma exposição chamada “o círculo” (aludindo ao formato esférico do museu nacional) só consegui pensar naquela imagem.  Procurei um lugar mais “ergonômico” no museu, que acolhesse e não desdenhasse da escala humana. Encontrei, no segundo andar, ao lado do elevador. O Curador pediu que eu não montasse meu trabalho lá, pois ficava muito escondido e rompia com a lógica de distribuição das obras. Montei assim mesmo. Acho bacana ficar escondido, e a luz do abajur demarcava uma forma ovóide na parede, como um convite ou um pequeno farol. Quem não visse o convite? Paciência. 
Recortei folhas de tecido com tecido estampado, deixei um banquinho, um abajur, uma almofada e um toca cd. As pessoas sentavam no banco e colovam os fones no ouvido. Ouvia-se som de vento e grilos. O ponto de vista da galeria era interessante, porque, embora o espaço estivess abarrotado de obras, naquele ponto de vista singular é como se a galeria estivesse vazia, e naquela profusão de obras, egos e escalas, aquele cantinho era intimista e calmo. Os seguranças ficaram fans da obra, não por questões poéticas ou estéticas, mas porque podiam sentar-se um pouco  e descansar. 




 "Auto-Paisagem (como casa)"
Instalação
2006

Auto-Paisagem é um trabalho que já expus três vezes em Brasília: em uma individual, em uma exposição sobre arte e jogos e em uma sobre Brasília. Em cada montagem a obra se adaptou de forma diferente a arquitetura: No espaço piloto eu me aproveitei de uma parede do mesanino que só permite a visão de longe e muito de perto. Era uma espécie de chamariz como uma série de pontos coloridos que só de perto se revelavam. No Ecco a obra teve cerca de 5 metros de altura por 8 de largura, adiquirindo outra escala e impacto. No Marcantonio vilaça, ele subiu por uma viga (uma favela ou invasão, segundo algumas crianças).
Na verdade auto paisagem não é uma cidade. É um conjunto de casas.  É necessário mais do que um conjunto de casa para formar-se uma cidade, então eu o apelidei de de constelação residencial. Haviam regras de como juntar as peças, de forma que não era totalmente aleatória. Esse trabalho tem muito a ver com as leituras que eu estava fazendo no momento, em especial Richar Sennett (tiranias da intimidade, o declínio do homem público).
Uma curiosidade, saiu no correio na época, como um exemplo de obra de arte que as pessoas não entendiam.  Fazer o que né... hehehehehe. 





 "Zootropia"
Objeto

Zootropia nasceu de um convite de João Angelini para participar de uma exposição sobre o movimento. Eu na hora perguntei: “pode ser movimento sugerido? Pode ser estático?”. Ele riu e disse que sim. Então parti para os dinossauros de brinquedo da minha infância. Comprei dezenas, para usar tão poucos.  Os dinossauros me interessam  porque eles são monstros pueris, exatamente porque são criaturas obsoletas. Juntei duas coisas: uma fictícia cadeia evolutiva do dinossauro que se torna bípede (de certa forma uma jocosa menção aos museus de história natural, uma espécie de crânio de piltdown para crianças) e o zootropo, um instrumento inicial da animação.  Essa maletinha, como um gabinete de curiosidades portátil, uma valize de arqueólogo, exposto muito próximo ao chão, mais adequado a curiosidade pueril. 


"Som de estrelas sobre águas internacionais"
Escultura
2006

Som de estrelas foi sem dúvida a primeira de uma série (na qual eu enquadro Outono das Verdades e Um Céu) de simulação de fenômenos naturais. Eu, lendo bachelard falar de como o universo se contempla nas águas, pensei nesse alhures total, um espaço que existe nesse momento, mas que é inacessível. As águas internacionais como um espaço para pura especulação, deslumbado pelo céu noturno. Novamente recorri aos elementos banais e domésticos mais acessíveis. Estrelas são luzes de natal, o oceano uma tigela. Dependia muito do cuidado das pessoas do espaço, as quais eu pedia para trocarem a água diáriamente. Para mim era importante que a água estivesse limpa. Depois se queixaram  comigo de que a tigela era muito pequena para desempenhar o oceano, que ela devia ser bem maior. E eu respondi “da próxima vez usarei uma xícara de chá”.  Eu amo esse trabalho, pois o acho muito sintético. 


"Retrato de deus quando menino"
Série Branca
Desenho - Técnica mista
2010
"Minha Vida em Ruínas"
Série Branca
Desenho- técnica mista
2010
"Resgatando Gepetto"
Série Branca
Desenhos- Técnica Mista
2010
"Conjurando deuses antigos"
Série Branca
Desenho - Técnica mista
2010

A série branca surgiu como uma continuação de Os Colóquios do menino vermelho. São situações fantasmáticas, baseadas em ilustrações de livros infantis que aludem aos primórdios. Uma espécie de ímpeto arqueológico e busca por origens. Como no caso de Colóquios, a única menção a uma história pré-existente é Pinoquio.

Série de pinturas
Acrílico sobre tela
"tigre", "a dança", "varanda"
"paisagem desconhecida", "invernal", "sapo"
10x10 cm
2009


São algumas de minhas poucas pinturas e não me pertencem mais. Quase todas as pinturas que eu fiz são formas de transformar o passado como me convem, recriar minhas origens.  Eu fiquei impressionado ao falarem que, a cada 7 anos, nosso organizmo se renovou, e quando apontamos uma foto e dizemos ‘aquele sou eu”, a química de nossos organismos nos desmente de imediato. São pinturas muito pequenas e singelas, pois as memória não são nunca grandiosas, mas sempre imagens tímidas. 

stills do filme Nostalgia.
Episódio 1. Truque.
2010
aprox. 41 segundos
projeção
áudio, Allan de Lana.


Nostalgia é raríssima produção de vídeo. É um estante de uma pose, como um fantasma capturado na película. Um truque, pois como argumenta Freud em memória encobridoras, toda lembrança é, potencialmente, um truque.  É mórbido porque o menino é fulgaz. 
(Assista o vídeo: Nostalgia)

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